Confederação Nacional do Transporte (CNT) alega baixo investimento dos recursos do Funset e aponta caminhos para desenvolvimento do setor

Lucas Cássio de Moraes

Goianésia – A importância do setor do transporte rodoviário no país é inegável. Responsável por cerca de 65% da matriz de carga nacional, ou seja, de tudo que é transportado no país, e mais de 90% do segmento que atende passageiros, o setor foi diretamente atingido com os efeitos da pandemia da covid-19. Segundo Levantamento da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), durante a pandemia, o volume de cargas movimentadas chegou a ter queda de 45,17%. Em alguns estados específicos os números chegaram a ser mais drásticos, como Maranhão (75%), Mato Grosso (52,8%) e de Mato Grosso do Sul (51,2%).

Os números negativos, consequentemente, refletiram em demissões. O que foi somado com a recessão econômica que o país enfrentou anos antes da pandemia. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), o setor transportador ainda não havia se recuperado das perdas registradas da crise econômica entre 2014 e 2016. No período, o transporte acumulou queda de 11,3% em seu PIB, mas recuperou apenas 6,6% entre 2017 e 2019.

Em 2022, o setor enxerga uma luz positiva e demostra sinais de crescimento pós-pandemia. Prova disso é o saldo positivo no número de contratações registradas no setor. No fechamento do primeiro semestre de 2022, o transporte apresentou saldo positivo de 56.561 postos formais de trabalho, segundo dados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), divulgados no Painel CNT do Emprego no Transporte. Esse valor representa 18.420 postos formais a mais que o primeiro semestre de 2021, quando o número foi de 38.141, e indica a importância da recuperação dos efeitos causados pela pandemia.

Os segmentos rodoviários de passageiros urbanos e de longo curso são os principais exemplos desse bom desempenho. O saldo acumulado em 2022 para o rodoviário urbano de passageiros e o rodoviário de longo curso é, respectivamente, de 3.913 e 620 vagas ocupadas. No mercado transportador há 26 anos, a empresa Satélite Norte é um desenho dessa realidade. No período da pandemia, a empresa, com atividades em Goiás, Mato Grosso, Distrito Federal, Tocantins, Para, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, precisou fazer alguns cortes no número de trabalhadores. “Em torno de 80 colaboradores foram demitidos durante a pandemia. Ainda não foi possível reverter os prejuízos. Mas conseguimos atingir resultados no período”, relata Waldir Sampaio, diretor executivo da empresa, sobre a pós-pandemia.

Atualmente a Satélite Norte conta com quase 700 colaboradores e uma frota com 133 ônibus (Foto: divulgação)

Mesmo com a demanda positiva na oferta de vagas de trabalho, o setor enfrenta dificuldades para encontrar mão de obra qualificada. Segundo a Pesquisa CNT Perfil Empresarial, cerca de 45% das empresas do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) têm vagas disponíveis para motoristas. Porém existe dificuldades na contratação de mão de obra, em decorrência da falta de experiência (46,1%), de treinamento direcionado ao setor (31,5%) e de qualificação (30,8%).

INFRAESTRUTURA PRECÁRIA GERA PREJUÍZOS AO SETOR
As dificuldades enfrentadas pelo setor, um dos mais importantes e essenciais para a sociedade, não se limitam a dificuldades na contratação de mão de obra. A má conservação da malha viária e sinalização precária são retratos do baixo investimento no setor. No final de 2021, a CNT apresentou uma pesquisa onde mostra que 61,8% das pistas federais e estaduais são consideradas regulares, ruins ou péssimas. Referente a sinalização, a pesquisa aponta que 58,9% das placas, faixas e sinais são considerados regulares, ruins ou péssimas. Sobre o asfalto, 52,2% da extensão analisada tem problemas; 47,8% está em condição satisfatória; e 0,5% está com o pavimento totalmente destruído.

Má pavimentação pode onerar o custo do transporte em até 30% (Foto: CNT)


As condições enfrentadas pelos usuários das rodovias brasileiras refletem diretamente no bolso do contribuinte. “Nossa malha viária é muito ruim, principalmente sentido Maranhão, Pará e Tocantins (BR-153). O fluxo é muito grande de ônibus e caminhões e a pista é simples. O ideal é que fosse pista duplicada e com atendimento nas estradas”, analisa Waldir Sampaio, diretor executivo da Satélite Norte.

É comum encontrar vídeos na internet que compravam a precariedade da malha viária pelo país. No canal no YouTube “Vida de Caminhoneiro”, em um material publicado no começo deste ano, o motorista mostra a realidade de um trecho da BR-153, que passa pelo estado de Goiás. Ele lembra do número de pedágios e reclama da má qualidade da malha viária. “Tentei tirar de um e cai dentro de três (buracos)”, afirma. 

 

Sobre o trecho divulgado no vídeo, ele faz parte da concessão feita pelo governo Federal para a empresa Ecorodovias. Vencedora do leilão realizado em 2021, a empresa será responsável por 850,7 quilômetros que ligam Aliança do Tocantins (TO) a Anápolis (GO). O projeto prevê investimentos de R$ 7,8 bilhões na duplicação de 623,3 quilômetros, construção de 27,6 quilômetros de faixas adicionais, de 89,9 quilômetros de vias marginais. Outros R$ 6,2 bilhões devem ser investidos ao longo dos 35 anos de concessão na prestação de serviços aos usuários.

Paulo Afonso Lustosa, presidente da Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Cargas (Fenatac), a qualidade (ou falta de qualidade) das rodovias interfere nos custos das empresas de transporte. “Há projeções que dizem que uma estrada com má pavimentação pode onerar o custo do transporte em até 30%. Para que as empresas possam desempenhar melhor seu papel, é fundamental que os estados invistam mais em infraestrutura nas suas rodovias”, afirma Lustosa.

Além do aumento no custo operacional das atividades, as condições apresentadas também colaboram para os números de acidentes nas rodovias, que em muitos casos resultam em mortes no trânsito. Pesquisa CNT com dados da Polícia Rodoviária Federal, o Painel CNT de Consultas Dinâmicas dos Acidentes Rodoviários mostra que foram registrados em 2021 64.452 acidentes nas rodovias federais que cortam o Brasil. O índice representa um aumento de 1,6% em 2021 em relação a 2020. Do total de acidentes, 52.762 tiveram vítimas (mortos ou feridos). No período acumulado de 2007 a 2021, foram 1.916.935 acidentes, sendo 917.115 com vítimas. Somente em 2021 foram 5.391 vidas perdidas. 104.756 no período acumulado de 2007 a 2021.

Análises técnicas da CNT mostram que a infraestrutura das vias pode influenciar o comportamento dos condutores, assim como as medidas de educação e fiscalização. O presidente da CNT, Vander Costa, ressalta que é fundamental desenvolver ações e políticas públicas para garantir rodovias que permitam uma direção segura e contribuam para a redução de acidentes e mortes no trânsito. “Os resultados (números das pesquisas) sinalizam a necessidade de mais investimento em infraestrutura rodoviária e em educação no trânsito com foco na segurança viária, condicionantes que podem contribuir com a redução efetiva do número e da gravidade dos acidentes na malha rodoviária. A diminuição de acidentes gera benefícios para o transporte, para a economia e para a sociedade e, por isso, deve ser buscada”, alerta Vander Costa.

INVESTIMENTOS PÚBLICOS EM RODOVIAS SE MANTÉM EM PATAMARES BAIXOS
Aparentemente, não faltam recursos para serem investidos no setor, isso tendo em vista a existência do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). Criado com a finalidade de custear as despesas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), agora Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), relativas à operacionalização de ações para segurança e educação de trânsito, o Funset prevê a destinação de 5% da receita proveniente de arrecadação de multas de trânsito no Fundo. Porém, segundo a CNT, a sua execução da finalidade do Funset vem caindo desde 2005, o que compromete o alcance dos seus objetivos e a eficácia da política nacional de trânsito.

Desde 2005, a despesa total autorizada para investimentos provenientes do Fundo foi de R$ 18,86 bilhões até junho de 2022. No entanto, o valor efetivamente pago foi de R$ 4 bilhões, cerca de 21,2% do recurso autorizado. Além disso, um estudo divulgado pela CNT aponta que do total de receitas autorizadas desde 2005, 68,5% não foi destinado para a realização de ações concretas, mas sim alocadas em conta à parte, chamada “reserva de contingência”.

Além disso, dos valores investidos, as maiores alocações dos recursos pagos estão em sistemas de informações do sistema nacional de trânsito (30,3%); apoio ao fortalecimento institucional do sistema nacional de trânsito (29%); e publicidade e utilidade pública (20,0%).

Segundo estudo divulgado pela CNT, os números mostram que a maior parte dos recursos restantes não tem sido aplicada em atividades-fim para a promoção de segurança viária, mas em ações de apoio institucional. As despesas em projetos destinados à redução de acidentes de trânsito representam apenas 11,4% do total de recursos utilizados do Fundo no período de 2005 até junho/2022. Já as despesas com a educação para cidadania no trânsito representaram 2,5% das despesas do Fundo no mesmo período.

Para a CNT, a baixa execução do Funset é preocupante, pois implica em menor quantidade de ações que busquem informar e educar os motoristas brasileiros, podendo contribuir para um maior número de condutas perigosas e em desacordo com as leis de trânsito vigentes. “Diante desse diagnóstico, a entidade sugere revisão da aplicação dos recursos do fundo para vedar a possibilidade de contingenciamento e, dessa forma, direcionar mais verba para instalação, renovação e manutenção da sinalização de trânsito ou ainda para promoção de campanhas educativas de trânsito”, pondera o estudo.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Infraestrutura disse, por meio de nota, que as receitas do Funset são contingenciadas pela União para o cumprimento da meta de superávit primário do governo. “Aproximadamente 90% dessas receitas são alocadas em Reserva de Contingência para a economia necessária ao cumprimento da meta. Este cenário de contingenciamento gera superávit financeiro anualmente e os recursos vêm sendo destinados à amortização da dívida pública da União”, esclarece.

Na nota, o Ministério da Infraestrutura relata que, com os recursos disponíveis, a Secretaria Nacional de Trânsito do Ministério da Infraestrutura (Senatran/MInfra) “vem realizando campanhas voltadas à conscientização dos condutores, pedestres e usuários das vias, relativas à educação e segurança de trânsito, visando o aumento da segurança, curso digital "Visão Zero", ministrado pela Business Sweden Brasil (Conselho de Comércio e Investimento da Suécia), capacitação de agentes de trânsito para aprimorar tecnicamente os profissionais da educação para o trânsito, verificação do vínculo causal de possíveis Recall de veículos, o aprimoramento de normas, bem como programas destinados à prevenção de acidentes e a redução de mortalidade no trânsito, além de divulgação de conteúdos vinculados a objetivos sociais de interesse público, de caráter educativo, informativo, de mobilização ou de orientação social com veiculação em âmbito nacional”.

PEC PREVÊ AUXILIAR SETOR COM DESTINAÇÃO DE RECURSOS
Aprovada pelo Senado Federal, em fevereiro de deste ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 1/2021 determina que pelo menos 70% dos recursos obtidos com outorgas onerosas de obras e serviços de transportes sejam reinvestidos no próprio setor. O autor da proposta é o senador Wellington Fagundes (PL-MT) e o relator, o senador Jayme Campos (DEM-MT). Segundo Campos, a proposta vai direcionar ao setor de infraestrutura de transportes pelo menos cerca de R$ 7 bilhões por ano. "Esse montante é ligeiramente inferior aos R$ 8 bilhões que o governo federal investiu em infraestrutura de transportes em 2021, volume que, cabe destacar, é muito baixo e insuficiente para as necessidades do país”, disse.

Além disso, o Sistema CNT vem buscando alternativas para construir soluções práticas para o desenvolvimento do setor. Prova disso é o recente um acordo de cooperação firmado com o Ministério da Infraestrutura. Com objetivo de estimular a promoção de uma política nacional integrada, o acordo prevê o desenvolvimento de ações educativas e a estruturação de cursos de formação, de capacitação e de reciclagem para o setor transportador; a participação em campanhas e projetos nacionais sobre os temas; a realização de ações nacionais e atendimentos voltados à saúde e à qualidade de vida do trabalhador do transporte; entre outras iniciativas.

Ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, e o presidente da CNT, Vander Costa (Foto: CNT)

O ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, reforçou que a parceria com a CNT e o SEST SENAT contribuirá para a formulação de políticas públicas capazes de garantir à atividade transportadora o devido valor que ela tem. “A sociedade hoje reconhece o quão essencial é o transporte e nós trabalhamos para permitir o pleno desenvolvimento dele”, afirmou.